top of page

A NOSSA UMBANDA, O TAMBOR DE MINA, AS TOBÔSSIS E BOBOROMINA


A Mina não é ABC

Não é no colégio que se aprende a ler

Eu vim rolando na folha seca

Eu vim rolando no romper do sol

Boboromina aê aê

Boboromina eu vim chegando agora

A Mina não é ABC

Não é no colégio que se aprende a ler

(Doutrina do Tambor de Mina)

Nosso terreiro, apesar de ser UMBANDA, não descende diretamente da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, criada por Zélio de Moraes. Nossa ancestralidade foi plantada na primeira metade do século XX, em Belém-PA, tendo recebido, por isso, como diz a Cabocla Janaína, um “leve sotaque” de correntes espiritualistas abundantes por lá, como a Encantaria e o Tambor de Mina. Esse “sotaque” não chega a interferir na prática da Umbanda, mas nos confere algumas particularidades que são incomuns aos terreiros umbandistas das regiões sul e sudeste do Brasil.

Dentre essas particularidades, uma que chama bastante atenção é o comportamento bastante “humanizado” das nossas Caboclas. Diferente do tradicional no Rio de Janeiro, por exemplo, é comum vê-las em terreiros de nossa linhagem conversando descontraidamente, brincando, interagindo no dia a dia no terreiro e, se preciso for, realizando até tarefas manuais, como herança do comportamento dos Caboclos e Encantados no Tambor de Mina. Lá, na Mina, alguns deles participam até do cotidiano de seu médium e, em determinados momentos, somente pessoas com mais vivência dentro da religião conseguem identificar quando é o médium e quando é a entidade, de tão presentes que elas estão.

Um grande exemplo, é a Cabocla Mariana, que lá no Tambor de Mina é quem, muitas vezes, faz o papel de “dona da casa”, recebendo os visitantes, cuidando da organização do terreiro e, possivelmente, até realizando tarefas fora do terreiro, na rua, incorporada! E, antes que alguém possa pensar, já esclareço: não é “marmotagem” não! A humanização desses encantados é um dos FUNDAMENTOS da Mina tradicional.

Na nossa Umbanda, esse comportamento não chega nesse nível (de realizar atividades fora do terreiro), já que não somos Tambor de Mina. Mas percebemos esse “leve sotaque” na descontração das Caboclas e na sua presença com grande facilidade em qualquer momento dentro do terreiro, mesmo quando não se está realizando qualquer função espiritual. É comum, por exemplo, o médium já desenvolvido, ao estar cuidando da parte física do templo (arrumando, limpando), sua Cabocla incorporar e, alegremente, ajudar a terminar a tarefa. Ou, então, em uma roda de conversa entre médiuns, a Cabocla baixar para participar descontraidamente! E torno a dizer: NÃO É MARMOTAGEM! É fundamento da Mina! Basta ir à Belém, conhecer a Mina Paraense e qualquer um verá a mesma coisa (ou mais, até)!

Uma outra diferença é a presença de entidades desconhecidas na Umbanda tradicional. A própria Cabocla Mariana, citada acima, é uma delas! Uma cabocla com nome em português (também há Cabocla Juliana, Erundina, etc), de cabelos louros, que se diz originária da Turquia e, além disso, marinheira! Dificilmente, no Rio de Janeiro e estados do Sul, alguém irá encontrá-la, a não ser que seja em terreiros de Tambor de Mina radicados por aqui ou em terreiros de Umbanda da nossa raiz, que possui esse “sotaque” mineiro.

E, por falar em “mineiro”, há um outro tipo de entidades que não são vistas na Umbanda tradicional: o chamado “Povo de Mina”. E é sobre essas entidades, especificamente, que este artigo quer tratar, mas não sem, antes, ter que explicar mais alguns pontos:

O Tambor de Mina descende dos terreiros de origem Mina-Jeje e Mina-Nagô, inicialmente plantados em São Luis-MA e, mais tarde, difundidos por toda a região Norte, com destaque para o estado do Pará, onde foi desenvolvida a “Mina Paraense”. Esta religião congrega, assim, tanto o culto ao Vodun Jeje quanto ao Orixá Nagô, como explicitado no trecho abaixo:

Contudo, a Mina paraense recebeu uma forte influência dos rituais Nagô. Assim sendo, realizam, também, o culto aos orixás nagôs, a exemplo de Exu, Ogum, Oxóssi, Obaluaiê, Oxum, Iansã, Iemanjá, Xangô, Oxalá. Cultua-se, também, voduns jêje, que correspondem aos orixás nagôs: Èlegbara (Exu), Doçu (Ogum), Azacá (Oxóssi), Acossi Sapatá (Obaluaiê ou Omolu ou Xapanã), Badé (Xangô), Ewá (Oxum), Vó Missã (Nanã) e Iansã (Barbassueira), a mais conhecida entre os mineiros e festejada no dia 04 de dezembro.” (Fonte: VERGOLINO, Anaíza. Os cultos afros no Pará. In: Contando a história do Pará: diálogos entre a História e a Antropologia. 2003. Belém, Ed. Motion.).

No entanto, além dos Orixás e Voduns, a Mina paraense ainda trabalha com os Caboclos e Encantados, também chamados de “Voduns Gentis”. Dessa forma, o Tambor de Mina praticado no Pará, se autodesigna como de fundamentos “Mina-Jeje-Nagô-Vodun Gentil”.

Embora nas nações de origem Jeje o Vodun de maior destaque seja Bessém (considerado o “Rei da Nação”), há um outro Vodun também de grande importância, citado nas palavras de VERGOLINO (texto acima) como “Vó Missã”, equiparada à Nanã.

Sobre Vó Missã (ou Missam), diz o Dicionário Jeje/Voduns do Kwe Ceja Dã Dahomey:

Vodun feminina, muito velha, considerada a Grande Mãe. Chamada carinhosamente de Vó Missam, é boa conselheira e muito respeitada por todos. Sua participação na criação do mundo foi muito marcante. Trouxe do céu para a terra a esteira (zan), cujo o simbolismo e uso nas cerimônias e cultos aos Voduns é importantíssimo e indispensável. Seu principal símbolo é a lua e seu domínio a terra, os pântanos e o reino dos mortos. É ainda conhecida pelos nomes: Nana, Nana Buruku, Nana Burotoy, Naê e Anaité”.

Em alguns terreiros de Mina, Vó Missã também é conhecida como “Sinhá Velha” ou “Nochê Naê”.

Pronto! Como geradora e conselheira dos Voduns, ficou bastante destacada a grande importância dessa entidade no panteão do Tambor de Mina! E sua importância é tão grande que na Mina de raiz, ela é homenageada duas vezes ao ano (uma no meio e outra no final) e, quando baixa, todos os Voduns a reverenciam, como a grande matriarca do Tambor. Além disso, sempre que baixa, vem acompanhada de outras entidades, chamadas na Mina de “TOBÔSSIS” (não confundir com Aziri-Tobôssi, Vodun Jeje-Mahin das águas). As Tobôssis que acompanham Vó Missã apresentam-se como princesas africanas em idade “pré-adolescente”. Comportam-se de maneira um pouco infantil, mas percebe-se não serem crianças (erês), pelo modo de falar, pelos tipos de brincadeiras e conversas, etc (veja mais abaixo, a descrição das Tobôssis na Casa das Minas).

Na Casa das Minas (São Luis-MA), para uma médim receber uma Tobôssi, era preciso anos de preparação, e os rituais utilizados para trazê-la eram secretos. Quando prontas, essas médiuns passavam a ser chamadas de “Vodunsis Gonjaí” (iniciadas de Voduns formadas). Infelizmente, a última Gonjaí morreu há algumas décadas, sem ter deixado o conhecimento dessa preparação para suas sucessoras. Portanto, na Casa das Minas não se faz mais Vodunsi Gonjaí e, lá, as Tobôssis não baixam mais.

Contudo, outros terreiros de Mina, de alguma forma, continuam preparando Gonjaís, e as Tobôssis continuam baixando. É o caso do Querebentã de Xapanã, em São Paulo e de muitos outros Tambores de Mina espalhados pelo Norte do Brasil.

Vó Missã também tem um outro nome: “Boboromina”, utilizado quando personifica a responsável pela forma como os rituais são praticados dentro da nação. Sobre ela, diz Keila Santos em sua tese de Mestrado (Universidade Federal do Pará – 2012):

“Boboromina – é uma entidade da linha Mina-Nagô, a qual designa diversos elementos de grande importância no culto que vão do visível ao transcendental.”

Como “Vó Missã” ou como “Boboromina”, a presença de sua “corte” (ela e as Tobôssis) em um terreiro de raiz de Mina tem grande importância, ainda que seja esporádica, pois já que representa a ancestralidade da nação, sua simples presença indica que aquele terreiro que a recebe está condizendo aos fundamentos e rituais firmados pela ancestralidade.

E, dito isto, é a partir de agora que chegamos ao ponto que desejávamos nesse longo texto: o “Povo de Mina”!

Vimos que lá no Tambor de Mina, Vó Missã, Sinhá Velha ou Boboromina é um Vodun de extrema importância, responsável pela perpetuação dos rituais e fundamentos da nação. Mas, e no nosso caso, que NÃO somos Tambor de Mina, mas temos a influência de seu “sotaque”?

Na nossa Umbanda, Boboromina continua sendo de extrema relevância, mas não é tratada como um Vodun Dahomeano. Ela aparece, também, de regra geral, duas vezes ao ano (ou se houver algo muito importante que exija sua presença). Costuma baixar na festa de Nanã e na festa de Oxalá, mas não se autodenomina com os nomes já citados. Para facilitar nossa compreensão (umbandistas que somos, e tão acostumados com a figura dos Pretos-Velhos), ela simplesmente se apresenta como “Vovó Mina”, e acaba, realmente, sendo confundida com uma Preta-Velha, ainda mais que, diferente de em outras nações, o Vodun de Mina não só dança, como também conversa e fuma (agora, com este texto, todos passarão a saber que ela NÃO É Preta-Velha, rs, rs!).

Quando baixa, suas Tobôssis a acompanham, e médiuns mais desenvolvidos começam a recebê-las. Deve-se lembrar que a forma de incorporação na Umbanda é deveras diferente de outros tipos de manifestações. Por isso, embora no Tambor de Mina tradicional sejam necessárias algumas preparações prévias para que as Tobôssis tomem seus médiuns, na Umbanda a preparação ocorre de maneira “invisível”, mais mental, às vezes sem mesmo o médium perceber.

Quando Vó Mina (ou Vó Missã, ou Nochê Naê, ou Boboromina) está em terra com sua corte de princesas, o terreiro fica em festa! Todos os Guias incorporados a cumprimentam, todos os médiuns a saúdam e, ela, com um jeito todo carinhoso, aconselha, orienta e, se necessário, chama a atenção para este ou aquele ritual que não está sendo seguido muito corretamente.

É possível que, além das princesas e da própria Vovó, apareçam, junto consigo, outras entidades (encantados) ligadas à ancestralidade e à vinda da Nação de Mina da África para o Brasil. A todas essas (Vó Mina, Tobôssis e entidades ancestrais) chamamos de “Povo de Mina”.

E não adianta procurar em terreiros que não tenham relação com a Mina a presença dessas entidades! Eles não aparecem por lá! O Povo de Mina é a base da nação de Mina! É a ancestralidade personificada na presença de Vó Missã e suas princesas africanas! É a atenção com a fidelização aos rituais implantados na fundação da Mina no Brasil! É a memória do sofrimento do escravo e, especificamente, de Maria Mineira Naê, a Rainha Agontimé, responsável (direta ou indiretamente) pela criação da Casa das Minas em São Luis-MA.

A Mina tem história! A Mina tem ancestralidade! E é essa ancestralidade que confere as bases para o futuro e a certeza do progresso, pela segurança dos rituais e pelos conselhos da Vovó!

E a nossa Umbanda? Nossa Umbanda tem Mina! E, onde tem Mina também tem Boboromina!

No balaio da Velha Mina tem mironga,

Tem, tem, tem!

No balaio da Velha Mina tem mironga,

Tem, tem, tem!”

(Cantiga de Vó Mina)

AS TOBÔSSIS NA CASA DAS MINAS

As entidades TOBÔSSIS despertam grande curiosidade, já que não existem em nenhuma outra corrente espiritualista além das enraizadas em Mina. Novamente, devo destacar que as Tobôssis a que nos referimos não devem ser confundidas com o Vodun Jeje-Mahin Aziri-Tobôssi, ou com outros homônimos de Voduns Jeje-Mahins.

Para esclarecer um pouco mais, transcrevo abaixo a pesquisa realizada pelo IFMA sobre esses “voduns-meninas” da Casa das Minas.

Tobôssis da Casa das Minas

Essa categoria de entidades nesse terreiro de Tambor de Mina ‘tradicional’ tinha várias características importantes, tais como: incorporação ou eram ‘recebidas’ apenas pelas filhas, vodúnsis com todos os graus de iniciação completos; eram crianças, falavam como crianças; sua comunicação era em língua africana e cada uma das Tobôssis em suas filhas tinha um nome em africano; não participavam dos toques de Tambor de Mina comuns na casa e não eram confundidas com outros voduns jovens existentes nesse terreiro (toquenos).

Sérgio Ferretti (1996) evidencia que essas entidades não existem mais na Casa das Minas, porque as últimas filhas que as recebiam morreram na década de 70 e o último barco de Tobôssis na Casa das Minas foi realizado em 1914.

As Tobôssis vinham somente três vezes por ano na Casa das Minas, ou seja, quando tinha festas grandes e que duravam vários dias. Na festa do Vodun feminino Nochê Naê no mês de junho; no fim do ano (mês de dezembro) e nas festas de carnaval.

Na Casa das Minas o Vodun feminino Nochê Naê é a chefa das Tobôssis. O Vodun Nochê Naê é considerada a mãe de todos os voduns como explicita Ferretti, S. (Id, p. 101), chamada também de ‘senhora velha’ ou sinhá velha. As suas vestimentas eram com saias coloridas, pulseiras de búzios e coral, chamadas dalsas, pano da costa colorido e manta de miçangas coloridas presa ao pescoço e usavam vários rosários.

Diferente das entidades espirituais africanas chamadas de voduns, orixás, etc., que não comem ou ingerem alimentos sólidos, as Tobôssis comiam normalmente como as pessoas.”

Fonte: PRIMEIRO BARCO DE TOBÔSSIS EM UM TERREIRO DE MINA NO MARANHÃO: Gerson, LINDOSO (1) (1)Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IFMA, Campus Zé Doca, Rua da Tecnologia, nº 215 Vila Amorim, Zé Doca-MA

Completando as informações do texto acima, chama a atenção o fato de que as Tobôssis, quando vinham nas festas grandes que duravam vários dias, permaneciam incorporadas em suas médiuns por dias seguidos. Durante todo esse tempo, elas comiam, bebiam, dormiam e faziam as necessidades de suas “vodunsis”. Falavam apenas em linguagem africana, utilizavam bonecas (embora não brincassem com elas como os erês) e vestiam sobre os ombros uma manta de miçangas que elas mesmas preparavam.

Quando sua médium ou “vodunsi” desencarnava, aquela Tobôssi não baixava mais, e sua manta era desfeita pelas demais ou repassada à Tobôssi de outra vodunsi-gonjaí.

Quando uma nova vodunsi entrava para o terreiro, eram as Tobôssis que lhe davam um nome em língua africana, que a identificaria religiosamente dali por diante, assim como elas também escolhiam entre si o nome que cada Tobôssi iria usar.

Fica muito claro no texto do IFMA (acima) a ligação das Tobôssis com Nochê Naê (ou Vó Missã, ou Boboromina, ou Vovó Mina), considerada a “chefe” dessas princesas.

Na nossa Umbanda, apesar de estarem presentes junto da Vovó Mina, as Tobôssis estão longe de se comportarem como na Casa das Minas ou em terreiros legítimos de Tambor de Mina, mesmo porque, além de sermos UMBANDA (e não Tambor de Mina), herdamos apenas – como diz a Cabocla Janaína – um “leve sotaque” da Mina, não os fundamentos completos da Nação. Mas mesmo assim, para nossa alegria, isso não impede que elas nos visitem de vez em quando.

Comments


A CENTELHA DIVINA, por ser uma Missão Umbandista e por ter como referência a prática da caridade, do amor e do respeito ao próximo, seguindo as sagradas Leis de Umbanda, não exerce cobrança financeira de qualquer tipo, por qualquer atendimento ou trabalho realizado, bem com não realiza o sacrifício de qualquer animal, nem utiliza qualquer coisa de origem animal em seus rituais.
 

bottom of page