A HISTÓRIA DA DONA FULANA
- TATA LUIS
- 26 de mar. de 2017
- 8 min de leitura
Outro dia, um médium veio me contar que tinha descoberto a história de sua Pombagira em um site na internet, e que tinha ficado muito sensibilizado, porque “Dona Fulana” havia sofrido muito por amor, além de ser muito pobre e etc, etc. Escutando isso, percebi que deveríamos esclarecer essa questão de histórias de “Donas Fulanas” e de “Seus Beltranos”, porque, como essa, muitas outras são encontradas facilmente por aí, ao alcance apenas do “clique do mouse”.

É comum os médiuns, principalmente os mais novos, ao descobrirem o nome de seu Guia, correrem para a internet buscando informações sobre ele. Digitam o nome no “Pai Google” e percorrem ansiosos os resultados da busca, tentando descobrir “como ele baixa”, “o que ele bebe”, “como gosta de trabalhar”, “sua história”, etc.
Isso até faria sentido se – e somente se – não houvesse centenas de espíritos utilizando o mesmo nome. Por isso, vamos tentar explicar, de uma vez por todas, QUEM SÃO OS ESPÍRITOS que recebemos na Umbanda, para entendermos, também, essa questão das “histórias” de fulanos e beltranos!
Para começar, nenhum espírito foi criado perfeito e, também, nenhum espírito ficará eternamente ignorante. Sabendo disso, estamos em comum acordo que TODO espírito evolui. E, evoluindo, há os que estejam atualmente em grau inferior ao nosso (que também somos espíritos) e outros que estejam em grau superior ao ponto em que nos encontramos.
Quando um espírito atinge um determinado grau de evolução bem acima do nosso, suas necessidades kármicas já não serão mais as mesmas que as nossas, meros espíritos encarnados. Por isso, a partir desse ponto, esses espíritos não possuem mais a necessidade de reencarnar aqui no nosso planeta, mas assumem para si outros tipos de trabalhos, muitas vezes voltados mais ao nosso amparo e socorro - reles e confusos mortais que somos.
Uma, dentre várias oportunidades de trabalho encontrada por espíritos em grau mais avançado de evolução, é a atuação junto a forças da natureza e em socorro a nós através dos caminhos da Umbanda. Sim! A Umbanda, por ser uma religião idealizada pelo Astral Superior, possui uma certa organização espiritual que NÃO PERMITE que qualquer espírito se autodenomine “Guia de Umbanda” e saia por aí dando conselhos e se dizendo Caboclo ou Exu “Fulano de Tal”! Para que um espírito possa utilizar as denominações de Guias de Umbanda e ser considerado realmente apto a trabalhar como conselheiro e orientador dentro dos terreiros, deve ter certo nível de conhecimento moral e intelectual. Se não fosse assim, qualquer recém-desencarnado poderia “cismar” que é um “Preto-Velho” e sair pelos terreiros da vida aconselhando as mais escabrosas coisas. E, cá entre nós, algumas vezes até acontece de um espírito qualquer querer fazer isso. E, pior: conseguir! Bastando, para isso, que encontre um médium que seja facilmente enganado e um terreiro cujas defesas espirituais assim permitam. Espíritos desse tipo, que não estão aptos a serem Guias de Umbanda mas que se infiltram e fingem possuir um grau de evolução que não têm, são chamados QUIUMBAS.
Bom, mas voltando aos nossos Guias de verdade... Como dissemos, para ser considerado um Guia de Umbanda, o espírito deve possuir alguns predicados morais e intelectuais, afinal a ele serão confiadas tarefas importantíssimas tanto no mundo astral quanto no mundo material, guardando pessoas e instituições, orientando, descarregando, auxiliando, curando, aconselhando e etc. Logo, NÃO É qualquer espírito que pode ser um Guia de Umbanda. É preciso ter, em outras palavras, um certo nível de evolução.
Muito bem! Possuindo os requisitos necessários e tendo sido admitido ao trabalho dentro da Umbanda, a partir daí o espírito irá ganhar um uniforme e uma função (como você quando é contratado para trabalhar em uma grande empresa), e passará a exercer o seu trabalho da melhor forma possível dentro dessa grande Organização de Luz. A função que ele exercerá é identificada por um nome, que é o mesmo nome da falange ou setor de trabalho onde atuará. Sendo assim, a partir desse momento, dentro dos trabalhos umbandistas, ele não será mais conhecido pelo nome utilizado em sua última encarnação, como José da Silva ou Maria de Souza, mas sim pelo nome da Sua falange, como Tranca-Ruas, Pai Joaquim da Angola ou Cabocla Jurema. Da mesma forma, o uniforme que utilizará dentro dos trabalhos na Umbanda será a aparência adotada pela sua falange de trabalho. Sendo assim, ao clarividente umbandista, ele não se apresentará com a aparência de sua última vida material, mas sim com a aparência do Exu Tranca-Ruas, do Pai Joaquim ou da Cabocla Jurema. Nos momentos em que não estiver “em serviço”, caso queira, poderá até voltar a utilizar a aparência e o nome que mais lhe agradar.
O fato é que, cada falange de trabalho possui mais de 500 espíritos trabalhadores (alguns chegam a falar em 20.000), e todos utilizando o mesmo nome e a mesma aparência dentro da Umbanda, já que – só para lembrar - o nome apenas indica a FUNÇÃO e, a aparência, o UNIFORME daquela “equipe”. Dessa forma, a probabilidade de você encontrar na internet a história de uma determinada Pombagira e ela corresponder à história do MESMO espírito que você recebe é extremamente remota, ainda que os nomes sejam os mesmos, de Maria Padilha da Encruzilhada, por exemplo.
Com essa explicação, algumas questões muito comuns já podem respondidas, como as seguintes:
1) Os Exus e Pombagiras são menos evoluídos que nós?
Resposta: Não! Trata-se de espíritos que estão exercendo uma determinada função e utilizando uma roupagem apropriada a ela. Mas, como todos os demais espíritos que trabalham na Umbanda, são, na verdade, espíritos bem mais adiantados que a maioria de nós, encarnados.
2) Pode haver dois Guias com o mesmo nome baixando no mesmo terreiro?
Resposta: É claro que sim! Nesse caso teremos dois Guias que trabalham dentro da mesma falange, utilizam o mesmo nome e a mesma aparência, mas são dois espíritos diferentes.
3) Duas pessoas podem receber Guias com o mesmo nome, simultaneamente, em locais diferentes?
Resposta: Pelo mesmo motivo explicado anteriormente, SIM! Afinal são espíritos diferentes, apesar de estarem exercendo a mesma função.
4) São verdadeiras as informações colhidas na internet sobre a forma como determinado Guia gosta de trabalhar, o que costuma beber e como baixa?
Resposta: São verdadeiras somente para aquele espírito específico, não para todos que utilizam o mesmo nome que ele. O mesmo se aplica às historinhas contadas sobre a última encarnação deste ou daquele Guia.
5) Meu Preto-Velho foi escravo na última encarnação?
Resposta: Pode até ter sido, mas isso será apenas uma coincidência, já que a aparência e nome que utiliza agora tem relação apenas com a falange dentro da qual está trabalhando, e não com o seu passado. Na verdade, ele poderá ter sido em sua última encarnação homem, mulher, médico, freira, japonês, índio, dona de casa ou qualquer outra coisa (até escravo). O que conta para que ele, hoje, esteja exercendo o papel de um Preto-Velho é somente a sua condição evolutiva, que o capacita a tal.
6) Se o nome é a “identidade da função” e a aparência é o “uniforme”, um espírito pode mudar de função e de aparência?
Resposta: É claro! E isso de fato acontece! Você não pode ser promovido na empresa em que trabalha? Seu Guia também! Como dito lá no início do texto, nenhum espírito permanece eternamente no mesmo ponto. Todos evoluem; até mesmo aquele que hoje ocupa a função de “seu” Preto-Velho ou “seu” Caboclo. Um dia ele evoluirá um pouco mais e estará apto a ocupar outras funções, que exijam maior capacidade ou consciência. Quando ele chegar a essa condição, outro espírito o substituirá, assumindo o mesmo nome e aparência que ele usava, e passará a trabalhar com você como o anterior fazia; e, muitas vezes, você nem perceberá a diferença! E aí cabe a observação: Querer que o mesmo espírito continue ocupando a mesma função indefinidamente só porque você se acostumou com ele como “seu” Guia é puro egoísmo. E é por isso que, muitas vezes, quando eles já podem assumir uma função mais elevada, simplesmente assumem, são substituídos e nem contam nada para o médium.
E, voltando à “história da Dona Fulana”, alguém poderia então dizer: “Ok! Entendi que, ainda que o nome da minha Pombagira seja o mesmo, não quer dizer que a história da Dona Fulana que vi na internet é a mesma da minha; mas até que ponto ela é 100% verdadeira até para quem a escreveu?”

E é aí que entra a nossa observação final sobre esse tema. Nem sempre as histórias contadas na internet são reais, por dois motivos: O primeiro é que aquele Guia pode ter “criado” aquela história para valorizar determinado ensinamento moral. Por isso é comum vermos histórias que citam ações erradas, seguidas de grande arrependimento, ou então da percepção de necessidade de mudança de sentimentos, posturas e etc. Nesse caso, as histórias não devem ser levadas ao pé da letra, como se realmente tivessem acontecido com aquele espirito, mas sim como lições de moral que servem para instruir e realçar bons valores de conduta através de uma ilustração mental.
Já o segundo motivo pelo qual essas histórias podem não ser verdadeiras é bem menos nobre. Muitas vezes, essas histórias são criadas pelo próprio subconsciente do médium que, em um momento de animismo extravasa o seu desejo inconsciente de estar trabalhando com um espírito tão sofredor ou tão forte ou tão arrependido ou tão iluminado. Aliás, é comum encontrar histórias que exaltem valores que, espiritualmente, não fazem muita diferença, mas que, para a mente vaidosa, podem ter grande peso. Quer ver exemplos que são muito comuns?
Na história da Cabocla, ela era a mais linda da tribo ou a filha do cacique;
Na história do Caboclo, ele era o mais forte ou o mais valente ou o guerreiro da tribo;
Na história do Preto-Velho, ele era o escravo que mais sofreu;
Na história do Exu, ele fazia muitas coisas erradas, mas por amor se arrependeu e morreu;
Na história da Pombagira, ela era rainha ou cortesã e, por amor abandonou tudo e morreu...
E por aí vai... E, para falar a verdade, nunca vi uma história que diga que tal espírito tivesse sido uma dona de casa comum, um pai de família dedicado ou, simplesmente, uma pessoa boa... Sempre há uma enorme carga dramática e a valorização de atributos como beleza, força, poder ou tamanho da dor sofrida (e, às vezes, tudo junto)...
Enfim, simplesmente lendo lá no “site”, não dá para saber se as histórias do Caboclo, do Preto-Velho ou da “Dona Fulana” são verdadeiras, se são apenas lições de moral ou, então, frutos da mente subconsciente de alguém. Por isso, delas devem ser abstraídas somente as instruções positivas, procurando aprender os valores morais ali presentes, mas sem querer “vestir” o seu Guia com uma história que, certamente, não lhe pertence.
Por mais que uma historinha dessas seja muito bonita, que emocione e chame atenção, há apenas UMA história que, na verdade, interessa ser observada, analisada a fundo e trabalhada para ter um final redentor: A SUA! Sim! Procure ser cada vez mais belo (por dentro); mostre que é o melhor guerreiro de sua tribo (lutando contra si mesmo); vença as algemas da escravidão (criadas pelo seu ego); arrependa-se dos erros, ame profundamente, viva e morra perseguindo o seu próprio aperfeiçoamento.
Fazendo assim, no final de tudo, a sua história dará “de mil a zero” nessas que a gente encontra na internet. E uma coisa te garanto: essa, até a “Dona Fulana” vai querer parar para ver.
Amplexos,
Tata Luis
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