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ESSE ORIXÁ NÃO É DE UMBANDA...


Quero iniciar esse texto com uma frase do sacerdote umbandista Alexandre Cumino que acho sensacional e que vai servir para dar o tom da nossa conversa. Diz ele: “A Umbanda não explica o Candomblé, assim como o Candomblé não explica a Umbanda!”. Essa é uma frase simples, mas de grande significado. Trocando em miúdos, ela quer dizer que uma religião não tem autoridade e nem competência para falar o que é certo ou errado na outra, pois são religiões diferentes e com entendimentos diferentes, às vezes até sobre pontos APARENTEMENTE semelhantes.

Quando uma religião pretende interpretar o que acontece dentro de outra, usando, para isso, somente o que ela própria entende sobre determinado conceito, normalmente acontece a “miopia espiritual”, que é a dificuldade de alcançar a visão que a outra religião tem sobre aquilo e de como tal conceito é entendido dentro daquele contexto litúrgico. Isso acontece, por exemplo, com alguns segmentos evangélicos que acham que detêm o ÚNICO e VERDADEIRO entendimento sobre Deus. Baseados nessa certeza, ao olharem para outras religiões, não conseguem enxergar que o mesmo Deus possa também estar sendo nelas cultuado, porém com outra visão, com outro entendimento, de outra forma. Acham-se, portanto, os únicos capazes de lidar com a divindade, de entendê-la e de explicá-la. E, como consequência, julgam-se COM AUTORIDADE e COM COMPETÊNCIA para decidir se a outra religião é capaz ou não de cultuar o verdadeiro Deus – e, normalmente, acham que não.

Semelhantemente, quando o assunto é “mediunidade” ou “espíritos de luz”, muitos espíritas kardecistas tentam imprimir a sua interpretação – a kardequiana - ao que acontece na Umbanda, segundo sua própria ótica, seu próprio entendimento; concluindo, por isso, ser desnecessário o uso de rituais para a atuação mediúnica e imprópria a utilização de fumos e bebidas pelos nossos Guias espirituais. Ou seja, eles tentam “significar” o que acontece no terreiro de acordo com a sua própria visão sobre aqueles conceitos e, obviamente, encontram dificuldades, já que aqueles mesmos conceitos não possuem o mesmo significado na Umbanda e no Espiritismo kardecista.

Isso acontece também com conceitos utilizados pela Umbanda que, originalmente eram presentes nas religiões das nações africanas, como o próprio conceito de “Orixá”. Da mesma forma que os espíritas kardecistas tentam entender a mediunidade na Umbanda segundo sua própria ótica, muitos candomblecistas tentam imprimir à Umbanda o que eles próprios entendem como Orixá, e aí julgam-se capacitados a opinar se, no terreiro umbandista há realmente incorporação de Orixá, se podem ser realizados esses ou aqueles ritos, se aquele Orixá pode ser cultuado ou não, se pode haver filho de determinado Orixá, etc. Esses candomblecistas caem no mesmo erro dos evangélicos citados mais acima, que acreditam que só existe uma forma de cultuar o seu Deus e que eles – evangélicos – é que detêm o conhecimento do que pode ou do que não pode ser feito para cultuá-lo. Esquecem que a Umbanda É UMA OUTRA RELIGIÃO, possui OUTRO entendimento e, nela, o conceito de Orixá foi ressignificado, não sendo mais idêntico ao do Candomblé, de forma que, a partir daí, só quem tem COMPETÊNCIA e AUTORIDADE para julgar o que é certo ou errado em relação ao tema é o próprio umbandista, pois só ele enxerga aquele conceito de dentro, com aquela visão, como a religião o entende e pratica. Da mesma forma, só o católico tem competência e autoridade para julgar se a forma como Deus está sendo cultuado em sua paróquia está ou não de acordo com o que prega a liturgia romana; e somente o evangélico pode dizer se a forma como outro crente pratica a sua fé está ou não de acordo com o que sua congregação entende de Deus.

Em relação a Orixá, propriamente, vamos começar a destrinchar o entendimento, mas com o cuidado de deixar claro que estamos falando de umbandista para umbandista, e que pessoas de outras crenças podem ter – e certamente tem – visões diferentes sobre esse mesmo tema. Tais visões estarão de acordo com o que a religião DELAS entende e são, portanto, aplicáveis e coerentes somente dentro dos seus templos e na realização de seus rituais, mas não representam a visão umbandista e, sendo assim, não interferem no nosso entendimento.

Embora haja certo consenso em relação ao significado da palavra “Orixá” como “o dono do Ori”, o conceito que ela representa, contudo, não possui, para nós, o mesmo sentido que possui em outras religiões ditas “de matriz africana”. Lá, “Orixá” é entendido como um ser divino ou um ancestral que foi divinizado devido a um grande feito ou a um rompante emocional excessivo (acesso de fúria, amor, etc) e que, uma vez divinizado, passou a atuar sobre a natureza, tomando seus filhos através do transe, quando invocado pelos chamados de determinados cânticos, rezas, etc.

No entanto, falando do Orixá como visto pela Umbanda (e este texto se dirige a umbandistas, é bom realçar), temos que lembrar que acreditamos na evolução lenta e progressiva dos espíritos, através de inúmeras reencarnações, caminhando sempre em direção à perfeição e libertando-se progressivamente de suas paixões e apegos, e que, por isso, na Umbanda não há o entendimento de que um grande acesso de fúria ou uma grande paixão possa tornar alguém divino. Nós, umbandistas, entendemos o Orixá como uma vibração “imanente” de Deus, que pertence a Ele e dele se irradia sobre toda a Criação, de forma não personificada, não antropomórfica, que atua sobre os elementos da natureza, sobre a Humanidade e que é REPRESENTADA dentro das “giras de Umbanda” por espíritos de grande nível evolutivo, que utilizam o seu nome (o nome de “Orixá” dado àquela vibração), trabalham com suas energias, dançam e se apresentam dentro da sua forma arquetípica, e que se identificam, ora como seus “falangeiros” (ou representantes, mensageiros), ora como o próprio “Orixá tal”.

Todos nós recebemos as influências de todas as vibrações irradiadas de Deus pois, afinal, Ele as irradia amorosa e constantemente, sobre toda a Criação. No entanto, devido à nossa personalidade, nosso jeito de ser e de encarar a vida, nossas preferências, qualidades e defeitos, nossa essência e nossa individualidade, cada um de nós possui certa afinidade, em grau maior ou menor, com esta ou aquela vibração divina ou, em outras palavras, com este ou aquele Orixá. As vibrações com que temos maior afinidade ou sintonia são naturalmente captadas por nossos chakras – principalmente pelo coronário - em maior abundância que outras, sendo absorvidas em quantidade e intensidade maiores e exercendo sobre nós maior influência. Devido a isso, somos considerados “filhos” daquele Orixá. Pessoas naturalmente guerreiras, inquietas têm grande relação com a vibração divina chamada “Ogum”; pessoas maternais com “Iemanjá”, justiceiras com “Xangô”, e assim por diante. Logo, não temos determinada personalidade porque somos filhos daquele Orixá (aliás, isso seria uma ofensa ao livre-arbítrio), mas, pelo contrário, somos filhos daquele Orixá porque temos grande ligação com aquelas vibrações especificamente, devido ao nosso jeito de ser e a todas as características que identificam a nossa individualidade.

Esse conjunto de comportamentos que identifica a individualidade é denominado “arquétipo”. Somos bilhões de seres encarnados no planeta atualmente, e nenhum é igual ao outro. No entanto, poderíamos subdividir toda a população mundial em grupos de pessoas com personalidades semelhantes (ou com muita coisa em comum). Cada grupo desses seria representado por um arquétipo e teria grande afinidade com determinada vibração divina ou Orixá. Mas quantos grupos de arquétipos diferentes poderíamos formar? Milhares, centenas, dezenas ou apenas alguns, dependendo dos critérios estabelecidos. No conjunto dos filhos de um terreiro, por exemplo, a quantidade seria correspondente à quantidade de vibrações divinas ali conhecidas ou, em outras palavras, dos Orixás ali cultuados.

Lá na África, existiam mais de seiscentos Orixás; aqui no Brasil, gira em torno de dezesseis conhecidos. Há terreiros de Umbanda que se sentem à vontade em trabalhar só com sete, outros com doze, outros com quatorze. Não importa! Se conhecêssemos duzentos, poderíamos utilizar duzentos arquétipos diferentes, duzentas vibrações divinas diferentes, duzentos Orixás diferentes. Se conhecemos só dez, utilizamos somente dez Orixás, e agrupamos nossos filhos dentro dos arquétipos desses dez conhecidos.

No princípio da Umbanda, após a sua oficialização pelas mãos do Caboclo das Sete Encruzilhadas, por falta de conhecimento ou mesmo por necessidade de ir devagar para firmar consistentemente as bases da religião, poucos Orixás eram cultuados; basicamente uns poucos de origem Yorubá como Ogum, Oxóssi, Iansã, Iemanjá, Oxum, Xangô e Oxalá, com arquétipos mais fáceis de serem entendidos que os dos voduns de origem Jeje, por exemplo. Em momento posterior, Nanã também foi assimilada na Umbanda, abrindo os caminhos para a “importação” de outras figuras do panteão daomeano (Jeje), que iriam, nas décadas seguintes, ser melhor compreendidas e absorvidas pelos terreiros umbandistas.

Até meados da década de 1960, por exemplo, Omolu era tido como um Orixá negativo, e muitos umbandistas tinham medo até de falar seu nome; as pessoas tinham dúvidas se poderia ser considerado e cultuado na Umbanda. Hoje, ninguém mais discute isso, mas, acreditem: na primeira metade do século XX ele não fazia parte dos rituais umbandistas, tanto que no livro de Leal de Souza “O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda”, publicado em 1933 - assim como Nanã - seu nome não é nem mesmo pronunciado, da mesma forma que também não é citado nos registros do 1º Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, em 1941.

Depois de Omolu/Obaluaiê, o próximo a começar a ser admitido na Umbanda, foi Oxumarê, mas somente a partir de meados da década de 1970 e, mais fortemente a partir de 1990, embora, inicialmente, muito confundido com qualidade de Oxum e, até hoje, ainda não unanimemente aceito pela totalidade dos terreiros umbandistas.

Nesse processo natural de crescimento do conhecimento, cada vez mais a Umbanda vai expandindo seus horizontes. Se, no princípio, somente os Orixás yorubás mais conhecidos eram cultuados, vindo depois alguns de origem Jeje como Nanã, Omolu e Oxumarê, hoje, outros Orixás começam também a ser conhecidos e absorvidos pelas correntes umbandistas, como Ewá, Obá, Logunedé, Ossâin e Iroco. E não há mal nenhum nisso! São apenas outras vibrações divinas, outros arquétipos, antes não identificados ou conhecidos pelos umbandistas. Só isso!

Contudo, nesse processo positivo de ampliação de conhecimentos, enquanto a “inclusão” de um Orixá não for completamente realizada, passando ele a ser legitimado como parte integrante da Umbanda – como já aconteceu com Nanã e com Omolu -, haverá ainda muitas dúvidas tanto por parte dos próprios umbandistas como de pessoas de outras correntes, como acontece hoje, por exemplo, com Oxumarê, cuja “importação”, embora iniciada no século passado, ainda não está plenamente concluída, havendo ainda muitos templos de Umbanda que não o cultuam e que acabam encaminhando para tratamento em terreiros de Candomblé os filhos desse Orixá, com a explicação de que “seu santo é de nação”.

Durante essa fase transitória, é comum também haver contestações de pessoas de outras correntes religiosas que não entendem a presença desse Orixá na Umbanda: “- Esse Orixá é de Candomblé!”, “- É impossível ser cuidado na Umbanda!”, “- Ele só existe onde se usa tal folha!” e, ainda, “- É inadmissível que haja terreiros de Umbanda que o queiram cultuar!” são frases escutadas com constância durante esse período de transição, como provavelmente também se falava de Omolu na época em que não era unanimemente admitido na gira umbandista. Na verdade – guardem o que vou dizer – NÃO EXISTE ORIXÁ DE UMBANDA OU DE CANDOMBLÉ! Orixá é manifestação divina! É força da Natureza! É vibração de Deus! Não é propriedade desta ou daquela religião! O que existe é falta de conhecimento sobre essas vibrações e os arquétipos correspondentes! Somente isso!

É perfeitamente compreensível que toda mudança tenha que vencer barreiras até se tornar de ampla aceitação. E não foi por outro motivo que Omolu demorou tanto para ser admitido na Umbanda, Oxumarê está ainda em fase de transição e outros como Ewá, Obá, Logunedé, Ossâin e Iroco ainda levarão muitos anos – talvez décadas – para serem completamente absorvidos.

A Umbanda é uma religião dinâmica! Ela muda, cresce e se adapta conforme a necessidade e a possibilidade. Mas, em suas bases, está a sua vocação universalista, congregando elementos originalmente pertencentes a outras tradições religiosas. Ao absorvê-los, atribui-lhes novos significados, de forma que os elementos importados do catolicismo já não possuem – na Umbanda – a mesma leitura que o católico entende na Igreja; elementos oriundos do espiritismo já não são entendidos da mesma forma que nos Centros Espíritas, e elementos importados das nações africanas também são ressignificados, adaptados às práticas e ao entendimento do povo umbandista.

Olhar de fora, simplesmente com a visão de outra religião e querer determinar se esse ou aquele Orixá pode ou não pode ser cultuado na Umbanda é agir de forma semelhante a alguns evangélicos que se sentem “proprietários de Deus” e que juram de pés juntos que é impossível Deus estar presente em religiões que não fazem o que eles fazem e como eles fazem! Aí, sendo assim, nesse caso, tenho que concordar com o amigo Alexandre Cumino e sugerir que ninguém tente explicar o que não entende, sob o risco de ter a visão limitada pelo preconceito ou, em outras palavras, pela tal da “miopia espiritual”.

Amplexos,

Tata Luis

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