DEUSES E ORIXÁS: UMA PITADA DE REFLEXÃO!
- TATA LUIS
- 17 de jul. de 2017
- 9 min de leitura

Você já parou para pensar como devia ser difícil para os povos da antiguidade conseguirem entender Deus como uma figura única, onipresente, onipotente e onisciente? Esse conceito, afinal, é muito mais abstrato – e, portanto de difícil entendimento – que outros baseados naquilo que se consegue enxergar. E o que os povos antigos conseguiam ver e perceber era somente o que acontecia a sua volta: o rio que corria placidamente, os ciclos das chuvas que traziam prosperidade ou desgraça, o movimento do mar, os perigos das florestas, o fogo trazido pelo relâmpago, as doenças que dizimavam as aldeias, etc. Sendo assim, era nos fenômenos da natureza que conseguiam entender a existência de Deus; mas não de apenas UM Deus, e sim de tantos quantos fossem os fenômenos que pudessem observar, afinal era mais fácil entender que cada fenômeno era provocado por uma determinada inteligência que compreender que TUDO estaria sob o controle de um único Deus todo-poderoso.
Sendo assim, a maioria dos povos antigos considerava a existência de uma certa quantidade de deuses, variando entre 15 e 60, a depender de cada cultura. Era assim entre os gregos, os romanos, os povos nórdicos, os egípcios, os nativos havaianos, os aborígenes da Austrália e os indígenas do Brasil. Já para os povos africanos, havia cerca de 600 divindades. Alguns chegam a falar em 4000. Para os indianos, o número aumenta um pouquinho. Sobe para... 330 MILHÕES!!!! (Sim, é isso mesmo! Não está escrito errado, não!). O que determinava a quantidade de deuses de cada cultura era a sua capacidade de observar as relações humanas ou os fenômenos da natureza e de atribuir para cada um deles uma personalidade divina que os governasse. Povos mais observadores ou mais místicos, como o indiano, por exemplo, baseavam suas crenças em panteões mais numerosos, ao contrário de outros com menor capacidade criativa.
Mas não é só isso! Embora possa haver, em diferentes culturas, deuses que atuem sobre o mesmo elemento da natureza ou sobre os mesmos tipos de relações humanas, há dois pontos em que se distinguem claramente. O primeiro é a sua FORMA, já que cada cultura cria os seus deuses à sua imagem e semelhança. Deuses nórdicos são altos, loiros e de olhos azuis, e possuem nomes construídos sobre antigos idiomas vikings. Deuses hindus possuem aparência semelhante às etnias indianas, e seus nomes são pronunciados em devanagári, língua oriunda do sânscrito. Deuses dos nossos índios brasileiros aparentam fisionomia indígena e possuem nomes em nheengatu (ou tupi antigo), assim como as divindades africanas são todas negras e seus nomes são em yorubá, fon, banto ou outro idioma daquele continente.
O segundo ponto que diferencia deuses atuantes sobre o mesmo elemento é a sua ORIGEM MÍTICA. Ao construir a figura de seus deuses, cada povo criou lendas próprias, visando justificar sua existência. Os deuses do Japão antigo nasceram a partir de dois imperadores ancestrais: o homem Izanagi e a mulher Izanami; os deuses havaianos nasceram da deusa vulcânica Pelé; os deuses gregos, de Gaia e Urano; e os africanos, da união de Oxalá com Iemanjá ou de ancestrais humanos que foram divinizados devido a um grande feito ou a um rompante emocional excessivo. Enfim: mitos! Alguns deles puramente imateriais, outros misturando lendas a possíveis ancestrais humanos, como o mito japonês do casal de imperadores e os mitos africanos que divinizaram antepassados teoricamente reais. Mas, sobretudo, mitos! Mitos criados por povos diversos, com a única finalidade de criar um passado, uma história que explicasse à comunidade as qualidades, os poderes e os arquétipos de cada divindade, e que servisse, também, para justificar sua existência no futuro, fazendo-os serem entendidos como reais pelos seus descendentes.
Mas, se temos panteões de deuses criados à nossa imagem e semelhança, e cercados de mitos para justificar sua existência, o que há, então, de REAL em tudo isso? O que não é criação da mente humana? Verdadeiramente, o que há de REAL e que não foi inventado pelos antigos é o fato de que há um ÚNICO Deus, e Ele atua sobre todas as relações humanas e sobre todo e qualquer fenômeno da natureza, irradiando constantemente, sobre tudo o que existe, suas vibrações de amor e seu poder criativo! Isso é tudo! Essa é a única verdade consistente; mas, sobre ela, podemos acrescentar reflexões sobre como se processa essa atuação divina.
Se, no momento em que está acontecendo um trovão, chamamos esse mesmo e único Deus pelo nome de Xangô - divindade do trovão segundo a mitologia yorubá –; ou de Heviossô, segundo as tradições Jeje Mahin; ou de Nzazi, de acordo com os bantos, ou de Thor, como diz a mitologia nórdica, trata-se apenas de escolha nossa! É o mesmo e único Deus manifestando sua potência criadora - naquele momento - através da geração de determinado fenômeno da natureza. Se, quando alguém caça, está realizando uma atividade regida por Oxóssi - o senhor caçador segundo os yorubás -, por Mutalambô segundo os bantos, ou por Diana, a deusa caçadora segundo a mitologia romana, não importa! É ainda aquele mesmo Deus que faz os trovões, que governa os elementos da natureza e que rege todas as demais atividades humanas, irradiando, contudo, nesse momento, a vibração divina que estimula a caça e a busca pela sobrevivência, apenas interpretada segundo a ótica de povos diferentes, com crenças diferentes e mitologias diferentes.
Sendo assim, poderia alguém perguntar, “então, Orixá não existe”? Quem disse que não existe? Mas é bom que se distinga: existe o ORIXÁ MÍTICO, aquele gerado da criatividade dos antigos e cujas origem e existência são fundamentadas em lendas ancestrais, tais como quaisquer outras lendas de outras culturas que também tenham criado suas próprias divindades, e existe o ORIXÁ REAL, personalidade IMANENTE de Deus. A palavra “imanente” significa: “que faz parte de maneira inseparável da essência de um ser ou de um objeto; o mesmo que inerente”. Ou seja, o Orixá IMANENTE de Deus é PARTE DELE, de um ÚNICO Deus, mas que pode ser percebido de formas diferentes a partir de suas várias formas de atuação. Quando acontece um trovão, como no exemplo anterior, embora seja manifestação do poder do Deus único, o percebemos (Deus), naquele momento, como o criador daquele trovão ou, em outras palavras, como o “Senhor do Trovão”, e o denominamos, na Umbanda - por nossa tradição religiosa, herdada, em parte, das tradições africanas - de Xangô. Quando observamos o mar, estamos observando a atuação ainda do mesmo Deus, mas agora o percebemos como a força regente dos oceanos, a qual denominamos Iemanjá, e assim por diante. Costumo dizer, para facilitar o entendimento, que esse conceito é o mesmo que usamos em nossa vida cotidiana. Embora você seja uma única pessoa, com uma única personalidade, você causa impressões diferentes em quem o rodeia, dependendo do que estiver fazendo. Quando está em família você é o “Fulano Família”, cujo comportamento é mais descontraído, despojado e tranquilo; quando está no trabalho, você é o “Fulano Trabalho”, que se comporta diferente do primeiro, com maior concentração e menos excessos, porque as circunstâncias assim exigem. Se vai a um velório, manifesta a sua personalidade “Fulano Velório”, com outro comportamento ainda diferente dos dois anteriores. Enfim, embora cada um de nós seja único e tenha uma única personalidade, quando realizamos determinadas atividades nos adequamos às suas necessidades e agimos de forma dedicada a elas. Assim também é Deus. Embora seja único, seu poder se expressa diferentemente em cada ação que manifesta na natureza ou na regência das atividades humanas.
Se, desconsiderando o que é mito, restam apenas os Orixás que são “partes” de Deus, quem é que recebemos em nossas giras de Umbanda? Bom, sabendo que o ORIXÁ REAL é uma irradiação divina porque é parte inerente de Deus, fica fácil discernir que NINGUÉM incorpora Orixá, porque ninguém pode receber Deus, por mais que acredite nisso! Quem nós recebemos são espíritos em alto grau de evolução que se adequam às vibrações daquela irradiação e a representam, compondo um personagem arquetípico cuja forma de apresentação, dança, comportamento e modo de trabalho correspondem ao que NÓS esperamos daquela manifestação.
Exemplificando de outra forma: as atividades humanas de ser persistente, de brigar, de lutar por um ideal e de guerrear, como quaisquer outras atividades, são também regidas por Deus, que irradia sobre nós, no momento em que as realizamos, uma vibração específica que estimula esses sentimentos de impulso, persistência e de luta. A essa vibração, chamamos “OGUM”. Quando estamos em uma gira de Umbanda buscando o contato com o Orixá Ogum, entramos em sintonia direta com essa irradiação divina, e determinados espíritos habilitados em representá-la e transmiti-la se aproximam de nós, para, dentre outras coisas, nos facilitar a absorção dessas vibrações. Quando os incorporamos, o comportamento que desenvolvem é aquele que, arquetipicamente, reflete o comportamento próprio do guerreiro, gesticulando como se portassem uma espada, caminhando com passos seguros, bradando destemidamente e apresentando-se, inclusive, aos médiuns videntes, com essa caracterização perispiritual. A esses espíritos, chamamos também de OGUNS, embora saibamos que são apenas seus FALANGEIROS, ou seja, espíritos que pertencem à falange – ou grupo - de trabalhadores espirituais que atuam dentro da vibração divina (irradiada de Deus) denominada OGUM. E o mesmo também se aplica a qualquer outro Orixá. Espíritos elevados os representam, trazendo até nós as vibrações divinas correspondentes e facilitando sua absorção pelos nossos chakras enquanto estão incorporados.
Cabe aqui lembrar que não nos interessa contestar a fé de ninguém; afinal, cada um entende conforme sua consciência consegue alcançar. Os povos antigos só conseguiam acreditar em forças divinas se as mesmas fossem explicadas e justificadas através dos mitos e, ainda hoje, há muitas pessoas e religiões que também necessitam manter a crença nas lendas. Nos templos de Umbanda, contudo, de regra geral, há um crescente movimento em prol da reinterpretação de alguns conceitos, procurando dar-lhes entendimento mais racional e menos mítico, como percebido em algumas escolas umbandistas, a exemplo da “Umbanda Esotérica” de Matta e Silva, da “Umbanda Sagrada”, de Rubens Saraceni e também de “A CENTELHA DIVINA”, onde procuramos desmistificar alguns conceitos, abordando-os, tanto quanto possível, sob a ótica da razão.
Essa mesma razão nos lembra que:
Uma vez que a evolução de todos os espíritos é lenta e progressiva, não há, portanto, lógica e nem possibilidade de alguém se tornar divino devido a um rompante de cólera, de tristeza ou de paixão, como contam as lendas dos Orixás. Seria injustiça com todos os espíritos que, ao longo de encarnações e encarnações, aprendem a lutar contra suas paixões, buscando o paulatino aperfeiçoamento espiritual. Seria um contrassenso às leis do Karma e de Evolução.
Nenhum ser realmente divino pode possuir paixões como vaidade, orgulho, ira, etc, como atestam as lendas africanas dos Orixás. Se algum ser divino possuísse uma paixão que fosse, seria, por isso, imperfeito e, sendo imperfeito, não poderia ser divino! A existência de uma única imperfeição em um “Deus”, já pressuporia a possibilidade de haver alguém que não a tivesse e que, pudesse ser, portanto, mais perfeito que ele. Havendo alguém assim, esse é que seria o verdadeiro Deus.
Não há a possibilidade da existência de vários deuses, pois seria impossível haver múltiplas inteligências todo-poderosas a governarem o mundo, movidas por suas próprias vontades, sem uma direção superior. Caso assim fosse, em algum momento haveria desacordo de ideias e conflitos titânicos, e o caos estaria instalado, destruindo todo o Universo. Havendo uma direção superior, quem a exercesse já passaria a ser o real todo-poderoso e, por conseguinte, o verdadeiro e único Deus.
Seres divinos não podem ser antropomorfizados, porque Deus não possui raça, etnia e nem forma humana. Se possuísse, demonstraria predileção por determinado povo, o que seria incondizente com os conceitos de justiça, equanimidade e perfeição. Não sendo justo e perfeito, não seria Deus.
Não é possível a incorporação mediúnica de Deus ou de deuses, por uma simples questão de lógica: Nosso organismo perispiritual, nossa mente e nosso campo vibratório não suportariam e nem se sintonizariam com uma consciência de magnitude infinita.
Com base em análises simples como essas, onde a justiça, a bondade e a perfeição divinas NÃO SÃO colocadas de lado em prol da crença cega em mitos do passado, é que em nossa visão doutrinária:
Existe apenas um único Deus;
Este único Deus atua sobre tudo e sobre todos constantemente, irradiando suas vibrações de amor e poder;
A cada tipo de vibração irradiada de Deus podemos dar um nome específico que a identifique;
Na Umbanda, essas vibrações são chamadas de “Orixás”, e recebem nomes de antigas divindades africanas, mas poderíamos, caso quiséssemos, denominá-las com outras nomenclaturas;
Ninguém incorpora diretamente essas vibrações (ou Orixás) pelo simples fato de que ninguém recebe Deus;
Dentro dos terreiros, essas vibrações divinas (ou Orixás) são representadas por espíritos de maior evolução que, ao se aproximarem, facilitam-nos a absorção dessas irradiações. Tais espíritos são chamados de falangeiros dessas vibrações ou desses Orixás;
Os falangeiros se comportam, trabalham, dançam e atuam de forma característica, como esperamos de quem possua o arquétipo próprio daquele Orixá;
Em algumas ocasiões, os falangeiros se apresentam simplesmente como falangeiros, mas podem se identificar como caboclos ou mesmo como Orixás;
Todos os trabalhos energéticos realizados na Umbanda visam facilitar a captação de alguma vibração divina (Orixá) ou o descarrego de forças negativas, buscando o equilíbrio do médium.
Encerro este texto com uma necessária reflexão: A verdade existe; mas todos ainda estamos distantes de compreendê-la em sua plenitude. Até lá, vamos nos despindo, aos poucos, dos pequenos enganos que a disfarçam. Contudo, independentemente de querermos ou não, e de aceitarmos ou não, a verdade está lá na nossa frente. Mas só a enxergaremos quando usarmos a razão e quando a quisermos enxergar!
Amplexos,
Tata Luis
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